sábado, 26 de novembro de 2011

A mercearia do Vinhal

Não sei se ainda existe, a mercearia do Vinhal.
O espaço sim ,mas não será a mesma coisa sem a sua protagonista: a Custodinha!
Vi-a esta terça feira e veio à memória tanta coisa passada, quase já esquecida.
Não sem antes reparar como está tão velhinha!
Mulher dos seus setenta e muitos ? Talvez mesmo oitenta e tal? Seguia de passo miudinho e rápido, como se a vida a continuasse a obrigar ao esforço de outros tempos. Corcunda como parte da história que se contava dela, pela boca dos outros. Porque da dela só mesmo a pressa de atender quem estava por servir e a vontade de ajudar quem procurava crédito com conforto. Eu fui uma das que percebi que a ambição do seu negócio tinha quase tudo a ver com a forma como, através dele, criou três filhas. O marido (nunca soube porquê) esteve preso muitos anos. Falava-se à boca cheia em infidelidade, mas com certeza não teria sido a causa da detenção. Pelo menos direta.
Na altura, meados dos anos oitenta, ainda havia a mercearia de rua onde se recorria para as compras do mês e se assentavam as contas num livro comprido e estreito. Os clientes, por sua vez, tinham um mais pequeno, quase quadrado, onde se tomava nota ao mesmo tempo, para se poder confirmar, de quando em vez o total e, gerir o dinheiro de cada clã.
Eram espaços comerciais cheios de variedade. Vendia-se desde batata a granel e o quartilho do vinho, direto da pipa (às vezes com flor), até à meia calça e o brinquedo, sempre muito pouco didático, mas não menos apetecível por qualquer petiz, mais ou menos afortunado.

Quem me conhece, sabe que sou filha de comerciantes. Do café Azevedo e da mercearia Mavica, tirei grandes lições de vida e apurei a minha queda para a arte de vender. Nessa altura, entre os anos 60 e 70, a mercearia era também um confessionário, onde todos falavam, escutavam e comentavam a vida alheia.
E até ao nascimento dos primeiros supermercados e grandes superfícies, a mercearia do sítio era de onde tudo se levava e por onde tudo se dava a conhecer.
Geralmente eram geridas por mulheres de mão firme. Nas raras vezes em que era um homem o dono, o mesmo tinha de se familiarizar e quase afeminar, para saber como responder às solicitações do mulherio.
Ali se sabia quem estava doente, quem tinha engravidado e onde mais se passava o quê, quando, onde, como e porquê. Bem, há que dizer que havia sempre alguns porquês, dependendo de quem se deitava a adivinhar. Pode-se dizer que foram essas criaturas, os ascendentes da panóplia dos comentadores atuais das nossas televisões, que pensam que tudo sabem.
O provedor que não me ouça!

Da casa Mavica ( diminuitivo de Manuel Vieira Carneiro, meu pai ) e da mercearia da Custodinha, muitas histórias retive.
A riqueza de personagens é tão grande que tenho dificuldade de as trazer ao blog.
Seria mais fácil escrever um livro. De muitas páginas!
Posso começar, em jeito de exemplo, por contar a angústia da Melinha, nos dias anteriores ao jogo do Benfica, da sua alegria ou pesar após a vitória ou derrota do clube do marido e dos três filhos, todos rapazes, para sua desgraça. O olho negro ou até o braço engessado eram frutos da bebedeira levada a extremos dos fãs zangados ou até contentes...demais!!
Era a violência doméstica, às vezes escondida, mas só por vergonha. Por não ser punida era considerada normal.

O caso da Joaquina padeira, cuja filha tinha parido ontem uma menina, fruto de uma relação com o professor de Português, das aulas recebidas à noite, já que a Rosa tinha de distribuir o pão durante o dia.
-Ainda no domingo passado, a Rosinha me entregou a regueifa e disse ao meu homem que a rapariga não trazia boa cara. Mas daí a pensar que andava de barriga de nove meses, nunca tal me passaria - contava a Miquinhas do Souto - Coitada da Jaquina. Já não lhe bastava o filho naquela cadeira...Puta de vida!

E já porque se trata de um Blog e, nele quase tudo caber, não vos deixo sem uma história pitoresca, quase cómica.

A Sarinha da Ilha ( nome dado a um aglomerado de casas, onde se ouviam o mais leve sussurro de amor ou o peido mais resguardado ), tinha por hábito chegar à mercearia e gritar:
-Gusta, parte-me aí quilo e meio de fêveras. Bem fininhas, rapariga.
Ao aproximar-se, depois de deixar tudo boquiaberto pela quantidade, pedia-me, baixinho, que lhe servisse quarto e meio, para menos do que para mais.
Era uma mulher com barba (literalmente falando), muito baixa e gorda. Uma pipa com cabeça, dizia o ti Manel, seu marido.
Uma família altamente rica em episódios burlescos.
Desde o dia em que os fiscais da televisão apareceram em casa da Sarinha e ela, que não pagava a taxa televisiva, assegurar que só tinha a antena em cima da mesa, porque ainda não tinha tido dinheiro para comprar o aparelho, apenas a antena! Por sorte ( digamos assim! ) tinha tido a genial ideia de esconder o enorme eletrodoméstico na arca da salga das carnes, situação que não ocorreu a nenhum dos homens da rusga. Nem nunca de novo à Sarinha, que depois de a colocar ao sol durante oito dias, nunca mais pode ver o episódio do Sandokan. Serviu-lhe de consolo, nessa fase, a radio-novela Simplesmente Maria.
Não se ficava atrás a loucura da pontualidade do Ti Manel que exigia às duas filhas, Helena e Berta, chegassem escrupulosamente à hora marcada, após a permissão para o passeio do domingo à tarde.
Um enxerto de porrada, se chegassem um segundo depois ou um despejo até à mesma hora, caso se apresentassem mais cedo um simples minuto.

E por aqui fico, que a divagação vai longa.
Da vossa "merceeira" Mavica;

GU

sábado, 9 de julho de 2011

Era uma vez...

..um dia que tinha nascido sem amor.
Não tinha significado o nascente, nem sequer tinha o poente.
A dor do sentimento sem explicação, quase sem tradução...
A partilha desconexa e aberta em ferida, sem remédio.
E a beleza fugidia a tomar o protagonismo desse dia.

A longevidade do devagar, do andar sem sentido.
A paragem da paixão a mirrar-se.
Agora para futuro: o amanhã eterno que não se quer e não se pode dar.
O espelho que não quer projetar a sua sombra.
E por fim o desespero de se ser o que não se previu.

A vaga do sonho morta ao nascer.
A praia que não a alberga, só a enaltece.
Porque o que não nasce, pode-se inventar.
Brincar a adivinhar o que se podia ter feito.
O fumo do fogo que não se acendeu.
E a fragilidade do eu sem ti.

Admito que quero o que não se me destinou.
Choro e rio na praia deserta.
Mergulho na vertigem do azul do céu.
Rodopio ao som da tempestade.
Retiro o que quis dizer.
E afirmo que o voltarei a fazer.
Vezes com fim...

Assina:GU

domingo, 29 de maio de 2011

Desabafo Pré - Eleitoral

E para que não digam que só sei falar depois, vou fazê-lo antes de.

Começarei por dizer, que a minha profissão me permite constatar que já não há mais crises como as de outrora. Pelo menos, como aquela que me falava a minha tia (da parte do meu marido) Mid . Por cima dos seus quase 80 anos referia já ter passado por muitas e continuava a considerá-las úteis para " acabar com os paraquedistas " . Proprietária de uma pequena ourivesaria na Rua Passos Manuel, da nossa invicta urbe, talvez as vantagens agora, depois do seu nonagésimo aniversário, se sobreponham a essa e, a sua veia de agiota engordado com o sangue dos outros, já para não falar no suor e lágrimas de quem lá deixa as joias de família largamente descompensadas.

Mas já que habituei os meus seguidores ( poucochinhos, talvez devido à crise! ) a catalogar os temas, aqui vão algumas das variedades para o presente assunto:

Crise financeira- a mais vulgar e persistente
Crise de personalidade - a que mais me aborrece (ou afeta?)
Crise existencial - essa não será mais com Deus?
Crise espiritual - a que tem mais sinónimos
Crise política - Ver título...

...e haveria muitas mais, embora para aqui pouco chamadas.

E por falar em chamar, queria atrever-me a fazê-lo aos milhares de portugueses que irão votar no próximo domingo e, principalmente, aos que dizem não valer a pena e enfolarem-se ao justificarem, despejando frases a cheirar a podre.

Já que se fala tanto da utilidade do voto ou do voto útil, que não será a mesma coisa, mas que para mim serve, por desaguar naquilo que quero exprimir e que é:

Chamem-me o que quiserem, bem o que quiserem não, mas podem chegar a intitular-me de um pouco idealista e até idiota - como vem tudo de ideia, não me importa.
E a a ideia que eu tenho é que não faltam dessas coisas em Portugal ( refiro-me às ideias ), embora cada vez menos as que crescem e muito menos as que são postas em prática.

Estão ilibados (não se leia perdoados), os que não viveram o antes 25 de Abril do ano de 1974, mas considero culpados, com prisão efetiva e, acima de tudo afetiva, os que por lá viveram e testemunharam a injustiça da guerra do Ultramar, a fome sem subsídios, a expressão silenciada, os deveres sem direitos. Mais que tudo a paixão dos torturados e dos que morreram a acreditar que os seus filhos seriam mais livres.

Poderei até estar de acordo que a partir do dia 26 de Abril, do mesmo ano, muitas das boas intenções, do dia anterior, degeneraram e obrigo-me aqui a admitir o sectarismo, a burocracia,a corrupção e o nojento abuso de poder, talvez em nada diferente ao de Salazar e outros que tais.

Sim, é verdade que até se pode comparar o incomparável.

Sim, é também verdade que ficando em casa a ver primeiro as sondagens e depois os resultados, teremos mais dignidade, sentados no belo sofá, sabendo que nesse mesmo dia cumprimos o desejo de tantos que já não têm voz. E reparem que não me refiro aos apoiados pelos pequenos partidos sem assento. Porque esses, graças aos outros, sempre se podem fazer ouvir. Para isso bastará colocar uma cruz ou então ir lá e não não a colocar, percebem? Ou tenho de fazer um desenho?

Com ironia se despede esta vossa livre amiga;

GU

sábado, 30 de abril de 2011

Já agora...

...que ninguém contraria esta pouca vontade de continuar a escrever, resolvo recomeçar. Pelo menos mais só esta singular vez. E talvez só para contrariar...

De nada me vale recusar a grande falta do não escrever, alegando as mais diversas razões.
E reparem nas muitas que poderia escolher: falta de tempo durante a digna emoção ou ausência de inspiração nas horas vagas, a abstenção dos poucos seguidores, a falta de muitos mais, mas acima de tudo a pouca provocação a que me sujeitam quem me conhece ( ? )

Pródiga em desculpas ( quase convincentes de tão lógica aparente ) naquilo que não faço pelos outros, sobra alguma percepção do porquê do que os outros não me fazem.
O problema é o espírito, às vezes tão mesquinho, picuinhas até , não deixar ver além do táctil. E isso prejudica-me. Afasta a vontade de me sentar e fazer o que mais gosto em partes do meu tempo livre ( o vulgar part time ).


Mas às vezes também, em muito poucas, há a sensação que, apesar de ter como seguro a inferioridade da minha escrita, comparada a tantas outras que idolatro ( e até invejo...), há a certeza do bem que me traz este "despejar" de ideias e sentimentos.

Chamem-lhe idiotices e pieguices, mas chamem-lhe alguma coisa. Espicaçar é o vosso dever, nem que com isso me façam, dificilmente, desistir e acabar.
A ver vamos o vosso poder e a minha fraqueza.

Desta vossa desafiadora amiga;

GU